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Foto do escritorBárbara Leão de Carvalho

#day37 – À deriva no meio do Atlântico

Estávamos à deriva. Este dia foi no mínimo inusitado. O sol brilhava, estava quente apesar dos apenas 20º que mostrava o termómetro. Tinha acordado às 6 da manhã para a minha vigia diária, e estava no deque nas minhas leituras habituais. Já se fazia um dia lindo apesar de não haver ponta de vento. Estávamos a motor para não perdermos muito tempo, pois esse já não o tínhamos. Em amena cavaqueira com a minha colega de bordo Janet, ouvimos um barulho esquisito e uma turbulência estranha. Pensei que o dessalinizador já estivesse a funcionar. Tínhamos estado o dia todo nisso. Descemos para perguntar ao capitão o que tinha sido e só o vemos a correr para o poço do barco para desligar o motor. Aparentemente tínhamos algo a impedir a normal rotação da hélice. O capitão aparece com uns óculos de mergulho e pergunta “quem vai lá a baixo ver?”. Fui voluntária imediata tal era a vontade de mergulhar naquelas águas… Passava muito tempo a olhar para o mar deste que entrei naquele barco. O azul era diferente. O sol espelhava-se todos os dias de forma original, como se não houve maior espetáculo do que se por em si mesmo. A água a 23º e o barco parado. Biquini! Depois de um mês de mar revolto e de temperaturas negativas e pouco convidativas, hoje era um dia perfeito para entrar e mergulhar! Tal e qual uma criança, atiro-me sem receios e sem pensar muito na fauna que pudesse por ali haver. As aguas são escuras no meio do mar…

Ok, estava debaixo do barco, e com swell de 2m a fazerem o barco adornar. Que respeito que aquele 64 pés impõe visto de baixo. Volto a tras… Tínhamos que montar uma estratégia. A Janet entra depois de mim com os óculos e viu o grande cabo enrolado na hélice… Mas que raio de azar que nos leva a uma situação destas completamente improvável no meio do mar! Eu tinha visto alguns plásticos a boiar durante a viagem, mas ter algo a impedir que o barco avançasse era demais. Eu e a Janet estávamos muito entretidas a analisar a situação debaixo de água confiantes que o capitão estivesse apenas a dar-nos uma situação para resolução como parte do treino, até nos termos apercebido que ele não queria nem entrar na água porque estava frio! 23º na água e estava frio!? Começámos a ficar preocupadas. Mas depois de 2h de tentativas, com o sol a por-se não tínhamos muito mais espaço de manobra. Fazer um transatlântico com um capitão que nem calções de banho tras e se recusa a entrar na água pq esta frio, é caso para rir ou chorar.. Nós preferimos rir. Na verdade, tudo parecia estar a correr mal com este barco. A saída atrasou mais de um mês, a cada tentativa de saída havia sempre mais um problema. Sempre a meter água. Em toda a viagem que já ia na sua segunda semana, nunca o tivemos a funcionar totalmente bem. Um barco novo de fábrica a quem foi recrutada uma entrega e onde o dono o esperava em Detroit USA. Olhar para um capitão literalmente incapaz de saltar para a água, foi das surpresas mais cómicas que alguma vez encontrei. Como pode um “homem do mar” ter uma relação assim com a água? Julgamentos à parte, o que era certo é que não podíamos colocar marcha atrás nem insistir no motor para “não estragar”, não podíamos ir lá abaixo por ser perigoso (pelas palavras do capitão), e sem ponta de vento também não podíamos ir a lado nenhum à vela! Ele estava desesperado… O coitado até foi picado por uma caravela portuguesa que se passeava no cabo que estamos a lançar ao mar por proteção enquanto ele o tentava recolher. Enfim, enquanto isso, eu e a Janet, na água a ganhar confiança no movimento do barco para tentar ir lá abaixo e soltar aquilo de vez. Decidimos deixar para o dia seguinte com tempo e nova luz. Já se fazia tarde. Jantámos e recolhemos. Tínhamos que estar prontos em breve pq as vigias noturnas teriam que acontecer na mesma. Nunca sabemos se não temos um qualquer barco em rota de colisão ou se levanta o vento e precisamos içar velas para seguir. O meu turno começava às 21h e eu pronta para a vigia mais insólita do momento! Lá fora o mar estava qse chão. Impressionante pôr do sol, as cores que não sei explicar. A paz. O barco parado e por isso paz. É difícil de descrever o que se vive no meio do mar. Aquela imensidão que vem com a fluidez das ondas espaçadas, tão espaçadas que parece que estamos a ver o chão mexer-se caso não tivéssemos certeza que tudo aquilo era água. Já dentro do barco a história era outra. A cada onda, a certeza de um movimento. Ter a ondulação pelo traves de um barco parado é no mínimo desagradável. O barco sempre a adornar de um lado para o outro sem fim, tudo bate, ou cai no chão caso não esteja protegido. Causa náuseas tanto movimento descincrono… Muito diferente do que sentido o barco a velejar, fluido entre o vento e as ondas. As horas passaram e em breve fui substituída pela Janet para poder descansar. Que fazemos amanha? Será que o plano vai funcionar? Eu arquitetei um tubo relativamente comprido por onde poder respirar. Preciso ganhar tempo de baixo de água mas não temos equipamento de mergulho a bordo. Precisamos de uns pesos para nos manter mais abaixo e não batermos tanto com a cabeça no caso. Lembrei-me dos enlatados de “chili con carne” que tínhamos abordo! Basta arranjar uma maneira de agarrar as latas à cintura e ai temos os nossos pesos! A Janet ria-se perdidamente, mas eu falava sério, enquanto claro entrava no jogo da gargalhada, pois estar à deriva no meio do mar, pode não ter piada nenhuma se não conseguirmos solução para de lá sair.

(to be continued… 🙂

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