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Foto do escritorBárbara Leão de Carvalho

#day39 – A corda

Acordámos e continuávamos à deriva. Eu tinha acabado de fazer o meu turno das 6h da manhã e já eram 9h quando a Janet aparece para me substituir. O dia já se fazia sentir. O sol espreitava curioso por entre as poucas nuvens, e o vento continuava tímido. Ainda estava frio. A Janet aqueceu água para o café. O meu pequeno almoço já ia na segunda volta. “ok, qual é o plano?” perguntei. “Vamos já para a água e resolvemos o assunto. Nem vale a pena acordar o capitão. Deixa-o dormir. Ele não vai querer entrar da água de qualquer forma”. “Acredito que não mas mais olhos a zelarem por nós é sempre mais prudente”. Discutimos as estratégias que entretanto tínhamos congeminado durante a noite e estávamos mais que prontas para seguir para a água quando acorda o capitão. Tranquilamente manteve o seu ritual da manhã sem uma palavra e nós continuámos nos preparativos. Era inacreditável que ele enquanto capitão e único homem no barco nao tivesse sequer um rasgo de virilidade para resolver um problema que no fundo era dele. Via-se uma distância no olhar dele, como se algum medo maior estivesse por trás de toda aquela abstenção ao tema da corda. Ele estava visivelmente perturbado mas inerte. Incapaz de reagir ao medo, digo eu.

A Janet prontíssima e eu também. Ela saltou primeiro para a água. Super decidida, decidiu perder o medo e mediu a distancia debaixo do barco. Ao vê-la a primeira vez a desaparecer por baixo do casco deu-me arrepios e desconforto total. Mas ela regressou e disse “Não é nada de mais. É mais perto que parece, mas… Está muito muito feia a situação lá em baixo.”. Cerca de meia hora passada, ele começava a ficar com frio. Tinha conseguido tirar cerca de metade do nó. Faltava o resto. Salto eu para a água para a revezar. Estar a noite toda a ganhar confiança e a transformar o medo em acção, fez-me chegar ao mesmo local do dia anterior onde me senti uma formiga debaixo daquele “bicho” gigante, e ter uma sensação completamente diferente. Tive a sorte de ter o meu telefone satélite e ter conseguido comunicar com várias pessoas que me deram imensas dicas de solução. Mergulhei sem pensar mais. Muitas vezes as nossas limitações são apenas as que as nossas mentes nos impõem. Nada mais. No dia anterior tinha ficado petrificada pelo cenário de perigo total que o capitão nos tinha passado. Depois de o ver a não conseguir entrar na água sequer, deixei de confiar no que me dizia e simplesmente segui o movimento do barco até à hélice. Tínhamos colocado um cabo de um lado a outro do barco mesmo junto à hélice o que nos ajudava em muito a chegar lá sem grande esforço. Olhei, observei com calma. Voltei a olhar. Fui e voltei umas duas vezes só para medir a distância. Ganhei confiança e comecei a sentir-me calma para, por momentos, simplesmente observar o nó. Havia um grande pedaço de corda enrolado na hélice de uma forma tal que quanto mais puxávamos, mais prendia. Estar ali de baixo… Olhar para o casco em movimento amplo, sentir que qualquer pancada poderia ser o meu fim, sentir o barco e ser um com ele, ligar-me aos animais que pudessem estar ali à volta (sim tive medo que pudesse haver tubarões ou outros gigantes por lá!), respirar e seguir… Sem grandes pensamentos, fiz o que me pareceu natural, puxar a corda no sentido inverso para trás, para dar oportunidade de soltar nalgum outro local e com mais folga, soltar de vez. No momento que estava lá de baixo, tive a sensação de não ter tido nenhum pensamento lógico e muito menos de ter desenvolvido qualquer tipo de raciocínio. Apenas executei uma qualquer informação que estava a receber. Por mais estranho que pareça, às vezes sinto que é mais importante eliminar qualquer tipo de pensamento ou opinião, para dar espaço para a observação nos levar à solução sem forçar. Volto a mergulhar e com dois toques certeiros vejo a corda soltar-se. Voltei a olhar pois não estava a espera que fosse tão fácil, mas a corda estava cada vez mais longe. Nadei para a alcançar mas estava a ficar sem fôlego. Voltei para trás. Respirei, lancei um qualquer grito de vitória e voltei a mergulhar. Tinha que apanhar o troféu! Lá estava ela! Nas minhas mãos! Solta, enorme e pesada. Que maravilhosa sensação! A Janet aos pulos, o capitão sem perceber muito bem como o tínhamos feito e eu absolutamente orgulhosa do feito conjunto. Missão cumprida! Estávamos soltos de novo! Voltei a descer para inspeccionar bem a hélice e garantir que nada mais teria lá ficado, e 20 min depois já estávamos em curso outra vez. Muitas vezes acho e sei que somos capazes de muito mais do que achamos. Basta para isso simplesmente acreditarmos piamente que os desafios estão apenas lá para nos mostrar ou simplesmente relembrar de que fibra somos feitos.

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